Um copo de vinho e saltos altos - Bruna Diogo dos Santos

Um copo de vinho e saltos altos





Estacionou o carro à porta, no sítio de sempre. Baixou o espelho e verificou o batom. Ele gostava de a ver de batom escuro - mas mais importante, é que ela também. Tinha vindo do trabalho e não retirou os saltos. Eram parte executante do seu look do dia. Estava cansada, mas a vontade de o ver sobrepunha-se a qualquer vontade de deitar a cabeça na almofada e deixar-se adormecer. Não é que houvessem motivos para o ver, ou falar com ele. Apenas uma vontade involuntária de deixar cair os seus olhos sobre os dele. Abriu a porta do carro e descalçou-se. Não queria fazer barulho. Não queria acordar a vizinhança e ver janelas com luz à sua volta. Queria aparecer como uma sombra meticulosa e sensual pelo caminho que a levava à entrada. E assim foi, pé-ante-pé pela terra batida até à sua entrada. Rodou a chave vagarosamente, calçou os saltos num último acto de modéstia e entrou.

A sala, estava, como sempre, à média luz. Apenas um pequeno candeeiro e a lareira. Ela despiu o casaco e deixou-o no sitio de sempre. Manteve os saltos. Levou a mala. Ele já tinha aberto o vinho que lhe prometera. O seu sorriso estava ali. Era isso que ela mais desejara nesse dia: o seu sorriso. Simples, calmo, sem qualquer dificuldade para aparecer, contrariando a tendência de todas as dificuldades com que já tinha lidado no início do dia. E ela estava ali, só para o ver sorrir, e para poder falar para ele.

E ele ouviu-a. Queria a sua voz mais que tudo. Queria as temáticas das suas conversas, queria a forma dela tocar no cabelo quando tentava explicar um termo mais complexo, queria o canto do sorriso dela quando procurava demonstrar algum acontecimento da sua vida com uma técnica teatral, queria as suas pernas estranhamente dobradas no sofá, e a sua pele tão suave. Queria os seus olhos a brilharem com o fogo da lareira que os deixava cor de rubi, e queria as suas mãos geladas.

Ele nem sabia o que queria, e no entanto, queria aquilo tudo dela. 
Ele não sabia se a queria, o no entanto desejava cada pedacinho dela.
Ele não sabia como a querer e no entanto não queria que ela fosse embora, nunca mais. 
De repente, ele só a conseguia ver ali, e não fora dali. Nunca mais a sala voltaria a ter a mesma luz, sem ela.

E ela mantinha-se, cada vez mais cansada, e sorridente. A dar golos pequeninos no copo de vinho branco. Ela gostava de ficar, mas não podia. Ele não sabia se ela poderia ficar, mas desejava. Ela teve vontade de ficar para sempre. Ele não sabia como a encaixar na sua vida para ela ficar para sempre.

E ambos seguiriam uma hora ou duas depois, cada um a sua vida, as suas obrigações... enquanto a vontade ficaria suspensa no ar. Entre um calor que aconteceu. Entre um beijo que não se deu. Entre um toque quente e desafiante. Entre um olhar e um tumulto do corpo para contradizer tudo o que tinha que ser em função do que queriam (ou não sabiam se queriam) que acontecesse. E a incerteza de que ela voltaria uma noite mais. E a mesma incerteza de que ele se encontraria lá para a receber.

Imagem: canvas.com

CONVERSATION

4 comentários:

  1. Uii Gostei muito!
    Parabéns.
    Beijinhos
    elisaumarapariganormal.blogspot.pt

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    1. Obrigada minha Elisa! Acho que estou, aos poucos, a encontrar o propósito do meu blog. E estes textos fazem mesmo parte do que mais gosto de fazer. É tão bom saber que o segues :).

      P.S: Visita a parte do Menu que diz... "Blogroll" ;)

      Beijinhos enormeeesss <3

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  2. É lá Bruna, não sabia que tinhas um blogue! Gostei muito do que li! Parabéns continua.
    Deixo-te aqui o meu se quiseres dar uma vista de olhos. Beijinhos
    http://inories.blogspot.pt/

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    1. Olá Joana! Sim... é o meu espacinho na NET :): Obrigada! Claramente que visitarei o teu também ;). Beijinhos*

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